Perguntamos a Beto Cupertino, um respeitado e prolífico músico, artista e compositor brasileiro, como é que ele acredita que a inspiração e a criatividade acontecem? Confira abaixo sua interessante reflexão sobre a inspiração e o processo de criação:
A criação é sempre o procedimento final de um processo…
Isso quer dizer que, para que algo seja criado, uma série de eventos aconteceu e levou à possibilidade de criação de algo. Esses eventos formam a história do criador de arte: remontam desde as memórias da infância, com toda sua carga de construção afetiva (e também de traumas), e se estende até a vida corrente. Formam o patrimônio de influências que o artista absorveu durante sua vida. É nesse sentido que a criação é sempre um ato final. Ela é a realização de um produto novo no mundo, obtido pela relação entre todos os sentimentos, memórias e influências experimentados durante a existência.
Não existe uma fórmula pela qual se cria arte.
A intuição é um motor livre, que tem diversas possibilidades de ação. É a história de vida que constitui o universo em que estão essas possibilidades. No caso da música, como você aprendeu a tocar um instrumento, que tipo de música você cresceu ouvindo, como seus pais relacionavam você com a música, como você se conectou com amigos por meio da música, que tipo de texto você gosta de ler: a intuição é uma máquina que pega essas informações e cria algo novo sobre um conjunto de coisas que já existia gravada na consciência (e por que não dizer no inconsciente) do artista.
No fundo, o artista é um transformador. Ele cria algo novo a partir de uma série de coisas que já existiram. Mesmo a arte totalmente transgressora e revolucionária parte de um estado de coisas que se pretende transgredir. É por esse estado de coisas que ela significa e projeta sentido. E é por meio dessa relação entre aquilo que foi utilizado da história da vida do artista e aquilo que se tornou a criação que partiu disso que as pessoas que terão contato com essa arte se identificarão com ela ou não.
Normalmente, quanto mais simples a arte, mais ela se conectará com um número maior de pessoas…
porque a identificação por meio de sofisticação e complexidade é algo disponível para grupos de pessoas menores que tiveram experiências de vida mais peculiares. A história de vida do artista, o patrimônio de influências que ele traz ao se colocar como criador, se conecta com a do público, e artista e apreciador de arte se conectam numa mesma frequência.
A intensidade da conexão se dará por meio da inspiração do artista. A inspiração é a possibilidade de criar arte que se conecte com o espírito do tempo e cause com isso a emoção mais forte que ela possa produzir.
A arte inspirada é aquela que traduziu a história de vida do criador em um gatilho de sentimentos que liga o espírito do artista ao do apreciador da arte. A qualidade da emoção despertada pelo fazer artístico está relacionada diretamente com o nível de inspiração. Uma obra inspirada é aquela que causa emoções intensas no público, pois conseguiu traduzir uma série de informações e sentimentos que o público compartilha.
A criação artística, essa parte final de um processo de vida, é por fim a eternização de coisas fluídas…
É uma tentativa de permanência no fluxo. É tornar estanque uma corrente de emoções, sentimentos, experiências. Toda arte possui implícita um anseio de eternidade, um trabalho de tentar delimitar no tempo e espaço uma construção estável. É a conformação de uma disputa intelectual tão antiga quanto o pensamento humano: o mundo é permanência ou fluidez? O modo como essa criação estável e estanque projeta um novo movimento, um produto vivo e múltiplo, que vai modificar a vida e a alma das pessoas, é o que torna a arte o acontecimento mais profundo e revolucionário da experiência humana.