O The Cure passou pelo Brasil, onde fez dois shows, um em São Paulo e outro, no Rio de Janeiro. Depois de 17 anos sem passar pelo país, a banda rodou acompanhada de duas bandas independentes locais, que foram escolhidas pelo próprio vocalista, o lendário Robert Smith.

“Sempre gosto de escolher a banda local”, justificou. “Pedi ajuda do pessoal da banda, mas à noite eu colocava os fones de ouvido e ficava curtindo. Fizemos a seleção baseados em dois pontos principais. O primeiro era tentar dar espaço para novas bandas. O segundo é que as bandas criassem uma boa atmosfera para subirmos ao palco.”

E as tais bandas selecionadas foram Herod Layne e Lautmusik. Aproveitamos e conversamos com a vocalista Alessandra Lehmen e o baterista Rodrigo Prati, da Lautmusik, que utiliza nossos serviços e tem o seu álbum distribuído pelo CD Baby.

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Como foi saber que um ídolo de vocês escolheu os shows de abertura de sua tour e que vocês seriam uma das bandas?

Alessandra: Foi extraordinário. Ainda pré-adolescente, fui ao show de 1987, no Gigantinho, em Porto Alegre. Foi o primeiro grande show da minha vida, e jamais poderia sonhar em dividir o palco com aquelas pessoas. Depois de receber o telefonema da produtora (no escritório, num final de tarde modorrento), devo ter demorado, no mínimo, 24 horas pra processar a notícia.

Rodrigo: Como disse a Alessandra pra mim ao telefone, segundos antes de me dar a notícia: “Tu estás sentado?”. É muito difícil descrever a montanha-russa emocional – euforia e incredulidade completa talvez sirvam. Depois de algum tempo, passada a sensação de se estar sonhando e calculado o tamanho do estrago que poderia ser, trabalhamos como cavalos e ensaiamos aqueles 30 minutos à exaustão. As duas semanas que se seguiram foram de pouco sono e muito foco. O evento não merecia nada menos do que a nossa melhor performance. Apesar das derivações, amadurecimentos ao longo dos anos e influências de cada integrante, o nosso som tem DNA “robertsmithiniano”, e talvez o próprio tenha escutado isso, sem que soássemos nem de longe como clones. Segundo o próprio Robert Smith, sobre as razões de nos ter escolhido: “eu apenas queria vê-los tocar”. Pessoalmente, não consigo imaginar um prêmio artisticamente maior do que escutar essa frase.

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Para a carreira de uma banda independente, o que significa abrir um show deste porte?

A: Pra mim, significa que a distância entre as bandas independentes e as vinculadas a gravadoras diminuiu. Com a tecnologia hoje disponível, dá pra produzir material de qualidade a custo razoável e ser ouvido no mundo todo (até por um ídolo!). Significa também que fazer músicas para agradar a si próprio, sem calcular a reação do público, pode dar muitos frutos – ainda que não planejados.

R: Significa que deu certo. Ser independente é excelente, significa que se é livre pra se fazer o que quiser, quando quiser, e eu acho que fizemos excelente uso dessa liberdade. O combustível pra esse grande esforço de duas semanas de ensaios pro show veio da constatação de que tudo que havia sido feito antes – nossas escolhas artísticas, aprendizado, ritmo de ensaios e gravações (desde 2006!) -resultaram num magnífico e escancarado acerto. Isso é recompensador demais e vai catalisar ainda mais produção. Já estamos empolgados com o que estamos compondo e em breve gravando. Não sei se estamos de olho em carreira tanto quanto obcecados por fazer mais música que nos agrade, e que tudo fique registrado com qualidade, coisa da qual nunca abrimos mão.

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Foi difícil enfrentar um público que estava lá para ver outra banda?

A: Estávamos preparados pra que fosse difícil, porque sabemos da “maldição da banda de abertura”: o público é naturalmente impaciente pelo show de quem está lá pra ver. Não foi nada disso, poré. Tocamos pra um Anhembi já praticamente lotado e a reação do público foi ótima. Acho que nos empolgamos mutuamente. Sequer ficamos nervosos, mas isso porque só notamos no fim do show que o Robert Smith, o Roger O’Donnell e o Reeves Gabrels assistiram ao discretamente do backstage.

R: Sinceramente, não. Acreditamos muito em preparo. Claro que sabíamos que os tomates estariam a postos caso entrássemos pretensiosos e calculados demais, afinal não se invade facilmente um terreno tão consagrado e aguardado como uma plateia do The Cure. Não falar nada ao microfone além das canções foi proposital. Acho que o fato de estarmos ali com a bênção de Mr. Smith ajudou a plateia e o artista. Mesmo assim, preparamos um setlist mais “upbeat”, pra animar mesmo, adivinhando o que “cureheads” gostariam de ouvir. Como disse o Nunes (baixista da Laut), “um setlist one-two-three-four!”. Os aplausos levemente acima da neutralidade após a primeira música foram suficientes pra saber que havíamos quebrado o gelo, e a empolgação progressiva nas músicas seguintes foi nos certificando que estava funcionando. Já na segunda música, sabíamos que nosso plano daria certo. Estávamos muito ensaiados e isso nos deixou livres pra curtir a própria performance sem receios. Acho que o público percebeu, e o final foi sensacional.

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Qual a importância de um serviço como o do CD Baby para uma banda independente?

R: Assim que soubemos que abriríamos pro Cure, nos demos conta do tamanho da exposição e corremos à internet para achar formas de disponibilizar nosso material de forma digital. Tínhamos receio de perder a oportunidade de sermos ouvidos por quem quisesse consumir nosso som. Achamos a CD Baby, nos inscrevemos e, hoje, qualquer pessoa pode baixar nossa música de seu iPhone ou Android apenas digitando uma senha. Isso era impensável há relativamente pouco tempo. Me fez lembrar de quão difícil foi colecionar os álbuns do Cure em vinil, garimpados em lojas especializadas, pois eram importados, raros e por isso caros. Tinha o seu charme, mas isso significa que poucos podiam conquistar os canais de distribuição daquele jeito. Acho que veremos o resultado disso em algumas semanas, mas a velocidade com que conseguimos disponibilizar nosso material para potencialmente qualquer smartphone ou PC do mundo (dois dias) foi inacreditável. No quesito distribuição, o que mais um artista independente pode querer?

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Ouça o som do Lautmusik:

Fotos: Fabricio Vianna