Cópia ou Homenagem? “Blurred Lines” e as questões de influência musical versus direitos autorais

[Este artigo foi escrito por Rob Filomena, um dos diretores da CD Baby.]

Qual a diferença entre ser influenciado por um artista e roubar ele na cara dura? Um caso envolvendo uma disputa entre alguns artistas bem conhecidos tomou um rumo interessante e mostrou que essa questão é mais difícil de responder do que você imagina.

Uma das maiores músicas dos últimos dois anos foi “Blurred Lines” do Robin Thicke. Thicke é um desses artistas meio ignorados de pop que tocava em rádios ruins até decidir tentar ser algo adulto-e-contemporâneo em uma parceria com Pharrell Williams. O resultado foi um hit grandioso e a música do verão de 2013, roubado o título de outra música do Pharrel, “Get Lucky” do Daft Punk. A música vendeu mais de 6 milhões de cópias e passou 12 semanas como a número 1. Foi um boom na carreira do Thicke que conseguiu uma atenção que poucos conseguem, e , muito menos, merecem.

Ser extremamente popular pode trazer um quantidade enorme de críticas, e “Blurred Lines” foi imediatamente criticada por misoginia em sua letra e vídeo, que mostrava Thicke e Pharrell rodeados por mulheres e peitos. Embora essa parte vai ser para sempre algo que lembramos quando falamos da música, nada causou uma reviravolta tão grande quanto o que veio depois.

Esse próximo capítulo começa de um jeito estranho: Robin Thick entrou na justiça contra as propriedades de Marvin Gaye. Por que? Porque ele tinha ouvido que ele seria processado por ele. Espera… o quê? A família do Marvin Gaye estava planejando processar (e acabou processando) o Thicke e o Pharrell por quebra de direitos autorais, alegando que haviam semelhanças indiscutíveis entre “Blurred Lines” e o clássico de 1977 “Got To Give It Up”.

Em 30 de Outubro de 2014 um juiz determinou que o caso contra Thicke e Williams tinha mérito o suficiente para ir para um julgamento com júri, para determinar se houve ou não infração. Esta foi uma resposta de uma ação dos dois que pedia para o processo contra a família de Gaye ser desconsiderado, e houveram várias testemunhas ouvidas de escritores a músicos profissionais. Os testemunhos profissionais revelavam que não havia similaridades grandes o bastante na composição das duas músicas. Sandy Wilbur disse que não haviam duas notas consecutivas em “Blurred Lines” que tenha a mesma duração, timbre ou localização iguais a de “Got To Give It Up”, mesmo assim, o caso seguiu em frente.

O fato de que o caso está progredindo mesmo não havendo similaridades técnicas comprovadas entre as duas músicas abre parâmetro para especulação de alguns aspectos não-musicais do caso como contexto, intenção, e a boa e velha intuição, que podem acabar tendo um peso maior do que o esperado na eventual decisão do júri (caso eles não entrem em um acordo antes).

Primeiro, vamos olhar para o contexto. Thicke disse que ama Marvin Gaye e só quis capturar o som de uma era com “Blurred Lines”. Isso pode explicar as similaridades do som nas gravações? Como “Got To Give It Up” foi lançado em 1977 e é reconhecido como um clássico Disco, vamos presumir que ele esteja falando da era Disco. O interessante porém, é que as características mais distintas da música são os detalhes que a diferenciam do gênero, o arranjo de percursão, a batida e os gritos lembram mais o funk e o soul do que a Disco. Infelizmente para Thicke, essas diferenças representam alguns dos aspectos mais similares entre “Blurred Lines” e “Got To Give It Up” e não conseguem ser considerados marcos da música Disco. Todavia, para o Thicke, esses são os elementos mais distintos de uma era da música, não de uma só música, e acontece que os primeiros segundos de diversas músicas são pouco diferentes entre eles. Por mais interessantes que esses elementos contextuais possam parecer, eles não são provas materiais nesse caso. A família de Gaye está limitada a litigar usando as partituras apenas, e não na música em si, onde essas semelhanças são mais presentes. O jurí vai ser capaz de entender a diferença entre composição e gravação?

Agora, vamos analisar a intenção. Thicke e Williams tiveram a intenção de copiar “Got To Give It Up?” Intenção parece ser algo difícil de provar porque é quase impossível saber o que o compositor estava pensando no momento em que ele concebeu. Parece impossível, até alguém ir lá e tornar isso totalmente possível. Em Junho de 2013, Thicke deu uma entrevista para GQ, meses antes de qualquer processo aparecer, e disse as seguintes palavras em voz alta para alguém que estava sendo pago para escrever e publicar o que ele dizia:

GQ: Qual é a história da origem do seu single “Blurred Lines?”

Robin Thicke: “Pharrell e eu estávamos no estúdio e eu disse a ele que uma de minhas canções favoritas de todos os tempos era Got to Give It Up. Eu disse a ele: ‘Caramba, temos de fazer algo assim, algo com esse groove’. Então ele começou a tocar aqui e ali e literalmente escrevemos a canção em meia hora e a gravamos.”

Apesar de ter afirmado sobre juramento que ele mentiu nesta entrevista (e que ele não lembra da sessão de criação porque estava drogado), Thicke colocou “Got To Give It Up” na mesma sala, no mesmo momento da criação de “Blurred Lines”, o que imediatamente faz a intenção ser um fator a ser considerado. Williams e Thicke já afirmaram que ouviram a música antes, mas colocar ele na sala de gravação deixa muito mais fácil de afirmar que eles tiveram a intenção de copiar. Intenção importa se as músicas não são a mesma? O que eu posso especular é que se acreditarem que houve a intenção de copiar a música, o júri pode (consciente ou inconscientemente) dar menos peso a questões técnicas. E isso é ruim para Thicke e Williams.

E aqui vem a questão da intuição. O que você acha quando você escuta? Eles roubaram ou é uma homenagem? Legalmente falando, esse argumento não existe, mas pode ser um fator. Intuição é relevante porque em casos levados a um juri com pessoas leigas, os aspectos intangíveis vão contar muito mais do que aspectos das leis de direitos autorais. A análise musical das duas composições é um assunto altamente técnico e os dois lados têm argumentos bons o bastante a seu favor. O juri tentará não levar suas opiniões pessoais. Isto é complica e bizarro já que Thicke e Williams têm um comportamento estranho. Teve a entrevista para a GQ, o processo pensado com antecedência, Williams testemunhando que ele sabia ler partituras e depois falhando em fazer isso, Thicke falando que estava drogado na composição da música. Nada disso é considerado evidência, mas pode ter um efeito na decisão dos jurados.

A banda Sigur Ros, da Irlanda, é famosa, entre outras coisas, por se recusar a usar suas músicas em comerciais. Mesmo assim, vários comerciais usam versões extremamente parecidas da música deles, o que poderia ser considerado uma prática de quebra de direitos autorais. A banda não pode pagar para levar estes casos para a justiça então eles criaram um site para envergonhar essas marcas. Na minha opinião, muitos dos comerciais que eles colocaram lá são um caso claro de cópia. Thicke e Wiliiams copiaram Gaye? Ainda é difícil saber.

O que você acha? Escute as duas músicas e conte para nós sua opinião se Williams e Thicke foram longe demais.