Um set list bem montado pode significar a diferença entre um show sensacional, decente, medíocre ou um desastre completo. Juntinho com talento e apresentação (figurino, iluminação, transição etc.), um set list bem trabalhado pode ajudar um novato a se passar por profissional, e um profissional causar uma boa impressão que não passará jamais.

Screen-shot-2013-08-19-at-8.32.42-AM-300x300Quando concebendo sua set list, mantenha em foco os elementos a seguir:

* Público

* Tom

* Andamento

* Feel

* Transições

*Timbres/Vozes

Público

Para quem você está tocando? O que eles esperam de seu show? Sua plateia vai estar dançando ou só ouvindo? Seu material deve ser escolhido apropriadamente. Um público de ouvintes não tem de ouvir o incentivo “Levanta e sai do chão!” Na real, se o lugar do show não der uma boa pista de dança, fazer as pessoas levantarem para requebrar pode até fazer com que o dono da casa te proíba de tocar lá para sempre. Saiba o que a casa de shows espera de você e projete seu set list de acordo.

Lembre-se: uma plateia dançante tende a responder melhor a canções de letras simples e refrões para cantar junto. (“I wanna be sedated!”, “Pre-pa-ra!”, “I fight authority!” e “Segura o Tchan!”) Músicas que narram uma história ou canções com letras intricadas ou arranjos complexos podem ser mais difíceis na hora de convencer uma plateia dançante. Essas mesmas músicas tendem a funcionar muito bem com uma plateia ouvinte. Atenda às expectativas de o que o público e os donos do lugar onde você está se apresentando esperam de você.

Tom

O tom de uma música é seu acorde tônico: E, C#, Am, por exemplo. A regra para sua set list é: não toque duas músicas com o mesmo tom uma em sequência da outra. Ainda que o público não consiga definir exatamente o porquê, é capaz que pensem que suas músicas “têm todas o mesmo som”, e o fundamento para essa impressão é tocar muitas músicas com a mesma tonalidade em seguida.

É importante notar que cada nota tem uma qualidade de som que é sutil, mas que está lá. Isso é em função das ondas sonoras que não necessariamente se encaixam no temperamento igual, o conceito que foi adotado pela música Ocidental há alguns séculos.

Temperamento igual é um tipo de afinação que permite que instrumentos com notas fixadas em teclas (piano, cravo etc.) soem “afinados” em várias tonalidades diferentes. As regras físicas por trás desse conceito têm a ver com a harmonia sobretonal que soa a cada vez que uma nota é tocada. Por exemplo, vamos pegar uma nota Dó tocando a 440 hertz (Hz). A série de sobretons em cima de 440 incluem 880Hz e 1760Hz. Toque um Ré bemol, entretanto, e a frequência fundamental será, entretanto, diferente de um Dó.

Para ver como esse conceito funciona na vida real, faça esse exercício proposto por treinadoras profissionais no site perfectpitch.com: sente num piano com uma caixa de giz de cera e um papel dividido em 12: um para cada oitava (de Dó sustenido a Sol bemol). Feche seus olhos e toque cada uma das notas, na ordem que quiser. Ouça com atenção, e pense em termos de cores. Depois, literalmente ache a cor na sua caixa de giz que corresponda à nota e preencha o espaço reservado para ela no papel. Quando tiver terminado as 12 notas, você pode se surpreender com o calor (vermelho ou laranja) ou frio (azul ou verde) que parece emanar de cada tom.

Um bom set list, portanto, mistura centros tonais. E, ainda mais, leva em conta notas menores. Muitas canções em tons menores em sequência também podem causar má impressão na plateia. Se na hora de montar seu próximo set list você levar em conta só esse conceito de separar tons, os ouvidos do seu público já vão ficar mais atendo a o que você for tocar durante o show.

Voltando à “cor,”  se você é uma daquelas pessoas especialmente sensíveis a centros tonais, lembre-se de que a plateia só responderá algumas vezes a estímulos “quentes” e “frios”. Se você tocar muitas músicas “quentes” ou “frias” em seguida, vai causar menos impacto do que se intercalar os tipos. Um set list bem montado de verdade balanceia quentura e frio e todas as “cores” de notas.

E, por fim, são especialmente boas para um set list canções em notas Lá maior, Ré menor, Sol menor etc. Uma ou duas salpicadas no set list conseguem ajudar muito na sua unidade. (Ao contrário, para uma banda baseada em metais que já toca notas que não se consegue com um violão, colocar algumas músicas feitas em cordas pode ajudar a contrabalançar.)

Andamento

O andamento é, literalmente, como uma canção é disposta no metrônomo. A maioria das músicas pop e rock se encaixam nas categorias gerais de andamento: lento (entre 60 e 80 batidas por minuto), médio (entre 80 e 112 batidas por minuto) e rápido (tudo acima de 112 batidas por minuto). Um bom set list, obviamente, intercala andamentos como intercala notas e tons. Toque muitas canções de tempo médio em seguida e sua plateia ficará aflita, sentindo que há algo esquisito, mas sem saber exatamente o quê. Essa é a sentença de morte do um músico. Se sua plateia passar mais tempo questionando sua música do que curtindo-a, há algo de muito errado

É especialmente broxante para a plateia o combo de músicas no mesmo andamento e no tesmo tom. Se você quer ver a plateia se azumbizar na sua frente, toque três músicas com andamento médio e em tom de Ré menor em seguida. Independente das letras, que podem ser completamente diferentes umas das outras, seu público, ainda que não saiba exatamente por que, vai sem dúvida achar que tudo que você toca é igual.

Note-se que existe quem defenda um quarto grupo de andamento: muito rápido, com andamento acima de 140 batidas por minuto. Para um cara comum ouvindo rock ou pop, esse passo parece excessivo, mas para uma banda que só toca canções rápidas, vira uma coisa importante. Uma banda punk, por exemplo, pode não ter nenhuma canção que se encaixe em andamentos lento e médio, ou só uma ou duas. Neste caso, uma segmentação maior dos andamentos é importante. Se 90% das músicas no repertório de uma banda estão acima de 112 batidas por minuto, então defina os andamentos como rápido, muito rápido e rapidíssimo. E, se há uma canção média, ela pode desmotivar a plateia. Se os centros tonais também foram considerados, fazer um set list profissional ainda é possível.

Feel

Proximamente ligada ao andamento está o “feel”, que é a nuance rítmica de uma canção. Ela é rock tradicional? Reggae? Pop dos anos 1960? Uma música com dado andamento pode ser qualquer um desses “feels”. Tocadas ao mesmo tempo, uma música com andamento de 112 batidas por minuto com um “feel” de discoteca poderia soar completamente diferente de outra com o mesmo andamento, mas com ritmo de rock. Isso é especialmente verdade se as duas músicas estiverem em tonalidades diferentes. Mas não tente sua sorte com muita força.  Você pode até fazer um bom show com três canções seguidas no mesmo andamento, mas com “feel” e tons diferentes, mas aumente esse número e o público vai começar a se perguntar “Por que o som dessa banda é sempre o mesmo?”.

(Obs: independente de andamento e de feel, quando o assunto é não coloque duas músicas no mesmo tom uma em seguida da outra. Sério, não faça isso.)

Transições

Uma transição é um método ou métodos que uma banda usa para passar de uma música para a seguinte. Talvez seja o baterista contando até cinco com suas baquetas, talvez seja o vocalista berrando uma contagem regressiva, que nem o Bruce Springsteen. Ou talvez seja uma história engraçada ou ilustrativa de como surgiu essa música, contada direto do palco. Espero que a sua não seja os membros da sua banda olhando um para o outro e dizendo “Qual é a próxima?” ou “Como essa daqui começa?”. Esse tipo de vácuo pode matar um show. Você não precisa saltar direto de uma música para a outra. Ainda mais se estiver ganhando uma boa resposta do público, com muitos aplausos e apupos, tanto você quando sua plateia querem mergulhar nessa glória por alguns segundos. Mas, assim que a empolgação começar a arrefecer, faça como Ren Hoek manda, “Get on with it, man!” (Vai nessa, homem!).

Segues são próximos de transições, um esquema de mudar de uma música para outra já concebido antes do show. Parecido com medleys, que são colagens de pedacinhos de músicas, segues são transições de música a música. Por exemplo, minha banda usa segues entre dois covers que tocamos. Terminamos “Times like These”, dos Foo Fighters (em tom de Fá) num acorde de Mi. Depois de um número determinado de segundos (que depende da reação da plateia) eu toco o riff inicial de “Peace Train”, do Cat Stevens, que é centrado em tom Mi.  Alem dos centros tonais distintos, as canções têm feels e andamentos diferentes. É claro que não temos nosso set inteiro com segues, mas temos alguns momentos espertinhos como esse, que só contribui para o profissionalismo que buscamos.

A não ser que seu grupo esteja tocando num show estilo Las Vegas, que usam segues do início ao fim, umas duas ou três canções com transição de uma para outra podem estar espalhadas em um set, o que ajuda a criar uma sensação de unicidade e de ânimo.

Timbres/Vozes

Timbre é a qualidade de um som. Um Mi, por exemplo, tocado em diferentes instrumentos (piano, trompete, gaita etc.) será fácil de distinguir só se baseando no som do instrumento e em seu timbre. Isso também é verdade para a voz humano—que os treinadores de voz chamam, por coincidência, de o instrumento humano. Cada voz tem um timbre distinto, assim como instrumentos. Mesmo assim, cantores podem mudar seu estilo vocal, indo de grunhido a gritinho, passando por murmúrios. Quando o assunto é seu set list, isso também precisa ser levado em conta. Assim como as preocupações com tom e andamento, muitas canções com vocal berrado pode fazer sua audiência perder a atenção.

E, se você se dá ao luxo de ter mais de um cantor no seu grupo, seu set list deve levar isso em conta também. Você pode, por exemplo, um cantor para altos e outro para baixos. Nenhum deles é melhor que o outro, mas usar os dois como contraste pode render um bom set. Depois de uma canção gritada, mudar o andamento e o tom, e daí trazer um crooner não só vai adicionar variedade a seu show, mas também levará seu set mais adiante, deixando o público atencioso e com os ouvidos agradecidos.

Acidentes

Esta última sessão poderia se chamar “Às vezes dá merda”. Uma corda se parte. Um instrumento se desliga do amplificador. Derrubam uma bebida. Qualquer um desses, ou ainda milhões de outros acidentes, podem obviamente mudar seu set. O que você faz para o show continuar rolando?

Primeiro e mais importante, pânico nunca resolve as coisas, então respire fundo. E daí considere as contingências.

Uma corda se partir. Será que o pessoal do ritmo pode preencher o comecinho da música enquanto você troca sua corda B?  Vi guitarristas de verdade fazerem isso enquanto conversavam com a plateia, amenizando bem a situação. Importante: se suas cordas se rompem com alguma frequência, você precisa ter substitutas e todas as ferramentas de que vai precisar para fazer a troca. Ou simplesmente tenha um violão substituto, afinado e pronto para ser plugado (Se você mantiver um violão reserva por perto, preste atenção ao próximo parágrafo)

Um instrumento se desplugar. Você consegue compor um ritmo sem baixo? A banda Chic, da época da discoteca, era famosa por seus trechos sem baixo, só com a guitarra rítmica, a bateria e a percussão levando a música adiante. Mais importante, se você é o baixista, por favor desligue seu amplificador antes de começar a pensar em desplugar o instrumento, evitando aquele barulho de zap eletrônico que ensurdecerá a plateia quando você o plugar de novo!.

Um drink ser derramado. Se sua banda bebe, tenha umas toalhas e panos de prato, tanto secos quando úmidos escondidos pelo palco para o caso dessa emergência. Limpe rapidinho, se aproxime da plateia com algum comentário jocoso do tipo “é hora de ferver!” e siga em frente.

E, às vezes, se a merda que aconteceu se mostra grande demais para ser resolvida na hora, também vale informar seu público que você tem um problema de equipamento e que voltará a tocar assim que possível. E, quando você voltar, pode retomar de onde parou, uma mistureba do que sobrou do primeiro ato com um segundo ato, ou simplesmente começar um segundo ato do zero.

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O que você acha que faz de um set list ótimo? Algum fator que não levamos em conta? Conta para a gente na sessão de comentários, aqui embaixo.

Biografia do autor: Gary McKinney é músico, escritor, editor e publisher. Ele mora em Bellingham, Washington, EUA. Seu último romance é “Darkness Bids the Dead Goodbye,” um livro de suspense protagonizado pelo zerife Gavin Pruitt, Deadhead. “Slipknot” é o primeiro volume dessa série. Esses e outros livros, cada um com uma música tema, podem ser achados no site: kearneystreetbooks.com. O site da banda de Gary é: fritzandthefreeloaders.com.

[Nota do editor: Gostaria de deixar claro que as mesmas regras citadas acima, para shows ao vivo, também valem para determinar a ordem das músicas do seu próximo álbum. A foto que ilustra a matéria vem de um show solo de 3 horas que fiz — ANTES de decidir a ordem das canções.]